213. Mui Grandes Noit’ e Dia
Chant médiéval en langue galaïco-portugaise. Tiré des Cantigas de Santa Maria (CSM 57), attribuées à Alfonso X « El Sabio » (1221-1284).
(Ref.)
Mui grandes noit’ e dia
Devemos dar porende
Nós a Santa Maria
Graças: porque defende
Os seus de dano, e sem engano
Em salvo os guia.
1.
E daquesto queremos
Um miragre preçado
Dizer porque sabemos
Que será ascuitado
Dos que a Virgem santa
Amam, porque quebranta
Sempr’ aos soberviosos,
E os bõos avanta
E dá-lhes siso e paraíso
Com tod’ alegria.
(Ref.)
2. Em Monsarrat vertude
Fez, que mui longe sõa
A Virgem, se mi ajude
Ela, por uma bõa
Dona que na montanha
Di, mui grand’ e estranha,
Deceu a uma fonte
Com toda sa companha,
Por i jantarem,
Des i folgarem
E irem sa via.
(Ref.)
3. U seíam comendo
Cabo daquela fonte,
A eles mui correndo
Saiu bem desse monte
Reimond’, um cavaleiro
Roubador e guerreiro,
Que de quanto tragiam
Nom lhes leixou dinheiro
Que nom roubasse e nom filhasse
Com sa companhia
4. A dona mantenente,
Logo que foi roubada,
Foi-s’ ende com sa gente
Mui trist’ e mui coitada.
A Monsarrat aginha
Chegou essa mesquinha,
Dando grandes brãados:
“– Virgem santa, reinha,
Dá-me vingança, ca pris viltança
Em ta romaria!”
(Ref.)
5. E os frades saírom
A as vozes que dava;
E quand’ esto oírom,
O prior cavalgava
Corrend’, e foi mui toste,
E passou um recoste
E viu cabo da fonte
De ladrões grand’ hoste
Jazer maltreitos, cegos, contreitos,
Que um nom s’ ergia.
6. Entr’ esses roubadores
Viu jazer um vilão
Desses mais malfeitores,
Uma perna na mão
De galinha, freame
Que sacara com fame
Entom dũ’ empãada
Que so um seu çurame
Comer quisera, mais nom podera,
Ca Deus nom queria.
(Ref.)
7. Ca se lh’ atravessara
Bem des aquela hora
U a comer cuidara,
Que dentro nem a fóra
Nom podia sacá-la,
Nem comer, nem passá-la.
Demais jazia cego
E ar mudo sem fala
E mui maltreito por aquel preito,
Ca xo merecia.
8. O prior e seus frades,
Pois que assi acharom
Treitos por sas maldades
Os ladrões, mandarom
Que logo di levados
Fossem, atravessados
Em bêstias que trouxeram,
Ant’ o altar deitados:
Que i morressem ou guarecessem
Se a Deus prazia.
(Ref.)
9. E, pois que os ladrões
Ant’ o altar trouxerom
Por eles orações
E pregairas fezerom.
E log’ houverom sãos
Olhos, pees e mãos;
E porende jurarom
Que nunca a crischãos
Jamais roubassem, e se quitassem
Daquela folia.
(Ref.)